sábado, 9 de julho de 2011

amorte

Conheceram-se ainda pequenos. Eram vizinhos e tinham a mesma idade. E desde que eram crianças, por volta dos quatro ou cinco anos, não conseguiam ficar longe um do outro. Chegaram ao ponto de fugir de casa para ficarem inocentemente juntos. Amavam-se incondicionalmente, antes mesmo de descobrir o que era o amor.
Cresceram unidos, quase que como irmãos. Mas, aos poucos, descobriram que o que sentiam um pelo outro estava muito além do que imaginavam. Por volta dos dezesseis anos começaram a namorar. Era um romance quase perfeito. Raramente discutiam. E quando discutiam era quase que uma brincadeira. A verdade é que um completava perfeitamente ao outro.
Os anos foram se passando, sem conseguir separá-los. Até que chegou o tempo de escolherem suas profissões. Ela queria ser professora; ele, médico. Pelo amor que nutriam, sabiam o que era melhor para cada um deles. Então, sem nenhuma objeção, decidiram por se separar durante o período dos estudos, encontrando-se durante as férias ou feriados prolongados. Então ela foi para o sul e ele para a Europa.
Durante o tempo dos estudos, mantinham contato diariamente, por telefone ou vídeo-chamadas; nas férias, alternadamente, um visitava o outro. Assim, mesmo distantes, estavam sempre próximos.
Depois de algum tempo nessa situação, os dois se formaram. E não mais perderam tempo – se casaram.
Começa, assim, a terrível tragédia do jovem casal Maia. E, para amenizar o sofrimento das famílias, pouparei o nome dos jovens.
Os primeiros anos após o casamento se aproximaram do divino, tamanho o amor e as saudades que ambos sentiam. A cada dia se apaixonavam ainda mais e mais. Além disso, a formação dos dois propiciou abastamento econômico, sem nenhum deles precisar recorrer às fortunas dos pais.
Cinco meses se passaram em total felicidade e harmonia. Um só tinha olhos para o outro. E então decidiram demonstrar ainda mais esse amor tendo um filho. Mas não o puderam. Feitos alguns exames, o Sr. e a Sr.ª Maia descobriram-se estéreis.
A tristeza do casal foi enorme. Queriam poder dar esse presente um ao outro. E, depois de algumas semanas e ainda tristes, decidiram por adotar uma criança recém-nascida, por mais que fossem demorar os documentos da adoção.
Porém, antes mesmo de darem início ao preenchimento dos formulários, um novo sofrimento se abateu sobre o jovem casal: a jovem Senhora adoeceu. Foi acometida por uma terrível e devastadora doença degenerativa, uma espécie rara de leucemia.
Desesperado, o Sr. Maia tentava todos os tipos de tratamentos possíveis, para que a doença de sua esposa parasse de evoluir e para que melhorasse. Mas não obtinha sucesso.
Investia tempo e dinheiro em pesquisas e projetos que visavam a cura ou a diminuição do impacto que a doença causava. E sempre sem deixar sua amada. Passava horas com ela, mesmo sofrendo por vê-la naquela situação. Não entendia porque tamanha tragédia se abatera sobre ela. E em todos os momentos desejava ser ele na situação da esposa, para não precisar vê-la naquela situação.
Por outro lado, a jovem agradecia por a doença tê-la afligido e não ao marido. Por mais que estivesse sofrendo, alegrava-se em ver o esposo bem e saudável, e achava que ele não deveria dar tanta atenção a ela e ao seu estado.
E a situação da jovem só piorava. As forças vitais lhe eram bruscamente sugadas. A morte rapidamente se aproximava dela.
O miserável homem já não sabia o que fazer. Desmanchava-se em lágrimas ao lado da mulher amada e que agora definhava. Não suportava a ideia de perder o amor de sua vida. Sua cabeça girava e ele não sabia, mais, o que fazer. Clamava a deus por alguma solução, mas sempre sem resposta. Desejava, mais do que tudo, ver a sua mulher em pé, saudável. A dor de vê-la naquela situação era o seu próprio inferno. Via a maior preciosidade de sua vida se esvair, aos poucos, e de forma tão triste.
Os dias passavam vagarosamente. E não deixava de parecer ao jovem Sr. Maia que tais dias eram como punhais cravados em suas costas pelo destino – ou seria por deus? Quem permitira tamanho sofrimento ao ser que ele tanto amava? Era justo fazê-los sofrer de tal maneira, sendo eles um casal tão generoso e batalhador? Não escolheram suas profissões visando o bem-estar de outras pessoas? Não chegaram ao ponto de sacrificar parte do tempo que passariam juntos por tais profissões? O homem levantava questões em relação a toda sua vida. Queria respostas para entender o que se passava. Mas nada conseguia. Jurava à sua amada morrer junto com ela, embora ela não gostasse dessa ideia.
Certa noite, após dias sem dormir, acabou por cochilar ao lado da amada. Um sono conturbado, cheio de pesadelos com temas de morte. Foi acordado pelos enfermeiros. A mulher não mais estava ali – fora levada às pressas. Os médicos diziam que seriam as últimas horas da jovem.
O homem entrou em desespero, não podendo fazer nada. Também não podia vê-la. Os médicos trabalhavam para mantê-la viva.
O que poderia fazer para salvá-la? Pensava e repensava sem encontrar soluções.  Não queria que ela morresse, de forma alguma. Mas, acaso sua morte viesse a acontecer, se mataria no mesmo instante. Já tinha até preparado um veneno, que carregava, escondidamente, ao alcance das mãos. Se recebesse a notícia, o beberia no mesmo instante.
Estava pensativo na sacada do antigo leito da esposa, que ficava no oitavo andar do prédio. Olhava desoladamente para as pessoas que passavam, lá embaixo. Via o quão pequenos eram e o quão frágil e ínfima era a vida que os seres humanos tinham. Desejou, naquele momento, ser mais que um simples homem, ter poderes para salvar a mulher que amava. Fechou os olhos e desejou, de toda a sua mente e alma, que sua mulher melhorasse, não importando o preço – mesmo se o preço fosse a sua vida. Estava disposto a se sacrificar pela esposa. Queria morrer junto com ela.
Cortou a tela de proteção da sacada com um bisturi que carregava no bolso. Preparava-se para pular. Já que o que mais amava estava prestes a morrer, por que viveria mais? Não! Tudo acabaria ali. Levaria como lembrança final a imagem da esposa ainda viva, por mais debilitada que estivesse.
Era chegada a hora. Subiu no parapeito da janela. Nesse mesmo instante, enfermeiros entraram apressadamente no quarto, gritando e chamando pelo Sr. Maia, mas sem saber o que acontecia na janela e se depararam com o homem ereto, de costas e de braços estendidos, pronto para se atirar.
Desesperados, pediam para o homem voltar. Mas ele nem os ouvia. Os enfermeiros insistiam, mas sem obter reação do homem. Então disseram que o estado de sua esposa havia se estabilizado. Ele abriu os olhos, carregados de lágrimas, e se virou. Abaixou os braços, mas não desceu. E repetiram: o estado da mulher era, agora, estável.
Sem acreditar, o homem não aceitava o que diziam, mesmo com eles dando sua palavra de que, de fato, ela havia, realmente, melhorado. Virou-se, novamente – iria pular –, quando, de repente, caminhando sozinha, embora acompanhada de médicos e enfermeiros, entrou no quarto a jovem Senhora Maia – um milagre havia acontecido! –, que o chamou.
O homem se virou vagarosamente. Poderia acreditar em seus ouvidos? Estaria sonhando ou ouvindo vozes de outros mundos? Viu-a em pé, ao lado da equipe médica. Empalideceu, sem conseguir acreditar no que via. Suas pernas fraquejaram e ele perdeu o equilíbrio: caiu. Só que caiu para a frente, na sacada, de joelhos. A mulher andava em sua direção. Segurou-lhe a cabeça e beijou-lhe a testa. Disse-lhe sentir-se melhor – e mais ainda por estar ali, com ele. E então os dois desmoronaram em lágrimas.
Vendo os novos diagnósticos da mulher, os médicos ficaram embasbacados: o sangue dela estava, agora, curado, sem sinal nenhum da doença. Um milagre, realmente, havia ocorrido. Apesar disso, ela ainda ficou alguns dias em observação. Uma semana depois, recebeu alta, saudável, como antes.
O casal voltou para casa. Não se aguentavam de alegria. Decidiram dar um tempo de outras coisas e se curtirem. Planejaram uma segunda lua de mel, com viagens e tudo o que teriam direito. Recuperariam o tempo perdido.
Na mesma noite decidiram fazer um romântico jantar à luz de velas. Prepararam tudo para que ficasse perfeito.
As horas se passavam, e o jantar com elas. O Sr. Maia se levantou para pegar as sobremesas e , quando voltava, tropeçou no tapete e caiu, batendo a cabeça em uma cadeira e desfalecendo. A esposa se levantou rapidamente para acudir o marido. Mas acabou escorregando no sorvete, espalhado pelo chão, e caindo, também. Na queda esbarrou na mesa, com força o suficiente para derrubar o candelabro. As velas acesas caíram sobre o tapete, por onde o fogo se espalhou.
A mulher, assustada e com dificuldade de locomoção, devido à pancada, engatinhou até o marido e tentou despertá-lo.
As chamas se espalhavam rapidamente, visto que a maioria dos móveis eram feitos de madeira e que o chão todo era revestido por um carpete sintético.
O homem despertou, com dificuldade. Tentaram ficar em pé. Mas devido, justamente, ao carpete sintético, o fogo produzia muita fumaça, que acabou por tomar conta do lugar e que fez com que o casal desmaiasse. Assim, morreram os dois: juntos e abraçados, incinerados em sua própria casa, que foi totalmente consumida pelas chamas.
Feita a perícia, descobriram que o sistema anti-incêndios havia sido desligado pela diarista, durante o período em que os donos da casa estavam no hospital, já que não haveria ninguém por ali. Isso explicava o porquê da casa ter sido incinerada tão rapidamente.
O que ninguém jamais saberia é que, no mesmo momento em que o pobre Sr. Maia oferecia sua vida em troca da cura e recuperação da esposa, o próprio diabo havia aceitado a sua oferta: curou-a e levou a vida dos dois, juntos.

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