domingo, 17 de julho de 2011

A Mariposa


Queria ficar sozinha. Principalmente depois daquela semana – a pior de sua vida, segundo ela. Cobranças, discussões e brigas eram algumas das suas principais pressões para desejar aquilo. E vinham de todos os lados: família, trabalho, amigos, colegas, namorado… Todos estavam contra a pobre Patrícia. E o pior é que ela nem sabia o porquê ou o que eles queriam. E, por isso, queria ser deixada em paz, para poder aliviar-se de toda essa pressão que vinha sofrendo.
Certa noite, após uma feia briga com os pais, foi dormir triste e cheia de raiva. E não com raiva só de seus pais, mas sim de todos que a cercavam. Se era pra viver daquela forma, preferia que eles não existissem. Só isso desejava naquela noite. Ficar sozinha e mais nada.
E seu desejo era tão grande que chegou a sonhar que estava sozinha. E, em seus sonhos, tudo era alegria e cores. Visões melodiosas envolviam-na, fazendo-a sentir-se livre: podia voar – os pesos que a prendiam à terra não existiam.
E então, em meio àquela viagem onírica, lembrou-se de que tudo aquilo não passava de um sonho. E, em sonho, despencou dos céus, com suas asas em chamas e os olhos cheios de lágrimas. Mas as lágrimas rompiam o surreal, estendendo-se à realidade da jovem Patrícia. Chorava. Desejava não ter ninguém com quem brigar. Ninguém que a sufocasse. Desejava ficar sozinha e só isso.
O sonho é algo espantoso. Às vezes rompe totalmente com a realidade – e de tal maneira que, ainda dormindo, percebemos que um sonho se desenrola. Mas, em outras, se aproxima de tal forma do real, que chegamos a sentir até cheiros, sabores e textura. São quase que impossíveis de se distinguir da realidade.
Há alguns casos, ainda, onde revivemos fatos nos mínimos detalhes. E também, outros, em que, percebido após sua concretização, ainda viveremos. No entanto os sonhos da bela jovem tinham um quê a mais: um quê de desejo. Um desejo ardente. Uma chama na escuridão da noite.
Fato é que muitos seres sentem-se atraídos pela luz. A mariposa, por exemplo.
Só que é fato, também, que ela acaba se expondo e ficando vulnerável por essa atração. Predadores escondem-se por detrás das sombras que a luz propaga – sempre à espreita.
E quem, de ouvidos em pé, a espreitava nas sombras, era o Mestre dos Desejos: como quem apanha uma mariposa se batendo contra a luz com um frasco, ouviu-a. Assim, “capturou-a”: sem nada saber, a jovem que desejava ficar sozinha, foi atendida.
Acordou e dirigiu-se para a cozinha. Não havia café pronto. Ficou indignada com os pais, que levantavam antes dela.
Saiu sem nada comer e dirigiu-se para o ponto de ônibus. Esperou, sem notar que não havia um único ser vivo se movendo por perto. Estava possessa pela situação que passava e pela “ingratidão” de seus pais.
Após uma hora de espera, e já atrasada, resolveu seguir a pé. Estava cega de raiva. Não notava que o grande fluxo de carros e pessoas, comum a esse horário, não existia.
Chegando a seu local de trabalho, encontrou tudo aberto e ligado, mas sem ninguém ali. Tentou encontrar os seus companheiros de trabalho, tentando imaginar “que tipo de brincadeira seria essa”. E, obviamente, sem sucesso.
Saiu do prédio, correndo, e ficou desesperada ao perceber que não havia absolutamente nada se movendo. Era como se, do nada, todos tivessem sumido. E não era isso que ela desejava?
Voltou para casa. Estava em pânico. E seus pais? Estariam em casa? Estariam no trabalho? Estariam bem? Chegou e entrou correndo em direção ao quarto dos pais. Não estavam lá. Mas seus documentos, carteiras bolsas… tudo estava ali. Tudo, menos eles.
Tremia. Teria enlouquecido? Estaria sonhando? Sim! Um sonho! Um sonho, daqueles bem reais! Não, um sonho não: um pesadelo. Isso! Queria acordar. Mas como fazê-lo? Sentou-se. Respirou fundo. Tudo era real demais! E se aquilo não fosse só um sonho? Tentou afastar esse pensamento. Dormir. Isso! Dormiria e, quando acordasse, o pesadelo teria acabado. Ou, então, seus pais teriam tempo de chegar. Estivessem onde estivessem.
 Foi até a farmácia da casa e engoliu diversos comprimidos, sem nem ler para o que serviam. Se tudo era apenas um sonho, não lhe fariam mal. Além disso, remédios dão sono, não é?
A jovem foi acometida por uma pesada sonolência em pouco tempo. E desabou. Dormiu por quase um dia todo, devido aos remédios.
Ao acordar, seu terror foi ainda maior do que antes: percebeu que, de uma forma impossível e sobrenatural, todas as pessoas haviam desaparecido. Na cidade toda. Talvez, até, no mundo todo. Como aquilo poderia ter acontecido?
Rindo, o Mestre dos Desejos se perguntava “mas não era isso o que queria?”, enquanto assistia a mariposa batendo-se, desesperada e ensandecidamente, dentro do frasco, até que acabasse por se matar, exaurindo as suas últimas forças. E sem saber o que a prendia.

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