sexta-feira, 1 de julho de 2011

Carolina IV - Insânia


A cada dia que passa, acredito com maior veemência estar, realmente, no inferno. As coisas que tenho visto fogem de tudo o que é concebível e aceitável para a mente humana. A situação se tornou enlouquecedora. E não sei como eu mesmo ainda não enlouqueci.
Depois do fatídico e atormentador acontecimento, do qual fomos protagonistas, não mais nos falávamos. Todos se isolaram, cada um em um canto. E creio que esse foi o nosso erro… A situação em que nos encontramos requer companheirismo, alguém para poder desabafar nossas angústias e desesperos… Ou, então, enlouqueceríamos…
E foi justamente o que aconteceu com meus companheiros. Enlouqueceram totalmente. Ter que consumir daquela carne maldita, da própria urina e permanecer isolados deve ter mexido demais com suas mentes. Agora se portam, realmente, como animais: não conversam, apenas gritam e urram. Seus olhos apresentam uma expressão assustadoramente desvairada, com aquele brilho que somente os loucos têm no olhar.
É assustador ficar, aqui, com eles… Vejo-os pela escotilha. Agora, mesmo, há dois brigando. E é uma luta insanamente violenta. Usam pedaços de pau como armas. E parecem não sentir dor. Um deles já está com um dos braços visivelmente quebrado, mas não para nem por um minuto. Mais cedo, essa mesma criatura matou um dos outros em combate. Foi onde conseguiu a fratura. O corpo ainda jaz no convés. O combate começou, inclusive, pelo domínio da carcaça. E, por mais que só comam quando tem fome, têm o instinto de guardar o alimento.
Evito comer ao máximo dessa carne… Ainda mais agora, com esses loucos rondando a embarcação. Continuo vivo graças aos ratos.
Trouxe um pouco daquela carne, antes de me trancar aqui e a tripulação enlouquecer. E, por deixá-la exposta, uma grande quantidade de ratos apareceu para comê-la. E, por pior que seja a situação, a carne dos mesmos é melhor do que a humana. Fora o fato de que os ratos acabam sendo uma distração. E acho que essa distração me impediu de ficar como as criaturas, lá fora… Isso e o fato de continuar escrevendo, o que me ajuda a esquecer da situação. Mas é difícil…
O louco do braço quebrado acaba de ter o olho arrancado pelo outro. Mesmo assim não para o confronto. Rolam selvagemente pelo chão, em cima das poças de sangue. O homem do braço quebrado teve, agora, a orelha arrancada com uma mordida. E mesmo assim a luta prossegue.
Fico imaginando o quanto e o que, mais terei que suportar até, enfim, morrer – se é que morrerei… Não são as torturas do inferno eternas?



Miguel Augusto, condenado do Carolina IV
12 de junho de 1500

(Continua...)

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